segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Químico do MA receita extrato de graviola para tratar câncer

CONFIRA A BAIXO A REPORTAGEM DO FANTÁSTICO NA ÍNTEGRA.


Imperatriz é a segunda maior cidade do Maranhão. Cerca de 236 mil pessoas vivem nela, e mais da metade é pobre. E 26% são analfabetas. A cidade tem um único hospital público grande e 34 postos de saúde. Em um deles, encontramos Dona Carmosina.



“Em 90% dos pacientes que chegam com ferimentos que demoram a cicatrizar, ela (a pomada de graviola) tem funcionado muito bem”, diz o médico do posto.


Dona Carmosina não foi atrás de nenhum curandeiro, procurou um posto de atendimento do Sistema de Saúde Pública (SUS). Lá, ela recebeu uma receita assinada por um médico: pomada para graviola, que não serve para nada.


O professor Antônio Augusto Brandão Frazão dá aulas na Universidade Estadual do Maranhão. Ele tem um centro de tratamento com plantas na área do Aeroporto de Imperatriz, construído e mantido pela Infraero. Nesse local, ele consulta pacientes, faz diagnósticos e receita remédios a base de plantas, sem ser médico. O professor é químico.


“Já existem relatos na literatura da graviola em animais experimentais com agressão ao fígado e com diabetes. E também a própria Anvisa, no guia fitoterápico, relata que o uso prolongado da graviola pode causar alterações no pâncreas e levar ao diabetes”, aponta Raymundo Paraná, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia.


O caso que documentamos em Imperatriz, no Maranhão, é apenas um pequeno exemplo desse descontrole que põe em risco a vida dos brasileiros.


Dr. Drauzio Varela - O que o ministério pensa a respeito do tratamento de doenças com produtos naturais?


Reinaldo Guimarães, secretário do Ministério da Saúde - O ministério entende que essa é uma alternativa terapêutica que deve ser oferecida.


Frazão mostra como ele fica sabendo que Dona Carmosina está com grande infestação. Mas Dona Carmosina não está com nenhuma infestação. Qualquer estudante de primeiro ano de medicina sabe que a sigla MID significa membro inferior direito. Ou seja, o que a receita diz é que a ferida está localizada na perna direita.


“Então, a gente vai utilizar a tintura da graviola com um grau de concentração um pouco alto, colocar o óleo da copaiba, que é um bactericida, e bater a pomada”, explica Frazão.


“O que eu posso dizer é o seguinte: se eu tivesse com uma ferida infectada no membro inferior direito, eu não ia passar pomada de graviola. Seria um erro nós acharmos que a política do Ministério da Saúde para fitoterápicos estimula esse tipo de coisa. Até hoje nós incorporamos apenas oito medicamentos fitoterápicos”, declara Reinaldo Guimarães, secretário do Ministério da Saúde.


Os oito fitoterápicos aprovados pelo Ministério da Saúde e distribuídos pelo SUS não passaram pelos estudos clínicos exigidos para os remédios convencionais, alopáticos. Por isso, não se sabe com detalhes que efeitos colaterais podem provocar.


“É a questão da segurança. A gente só vai conhecer a segurança, se nós tivermos estudos de qualidade, que envolvam centenas ou milhares de pacientes. Isso a gente não tem”, comenta Raymundo Paraná, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia.


O professor Frazão diz que já testou a pomada em ratos e em pacientes. “Nos leprosários, nos asilos de velhinhos, em escaras de decúbito, a gente foi vendo com o decorrer do tempo que ela tinha uma ação de regeneração do tecido”, aposta.


Os conselhos de ética consideram essa uma infração gravíssima. Os pacientes com hanseníase e os velhinhos nos asilos sabiam que estavam sendo usados como cobaias?


Olha a ideia que o professor Frazão faz da ciência: “a gente que tem o dom da pesquisa, a gente detesta papel para estar anotando nome, peso, tamanho, coisa e tal. O que eu gosto é de ver. Eu pego a foto e vejo. A minha estatística é essa”.


“Há quatro anos, nós estamos indicando a pomada do professor Frazão”, conta a enfermeira do posto Hilda Maria Costa Pinto.


Nós fomos até o Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com a farmacêutica Natasha Maurmann, e vamos fazer um teste com a pomada de graviola. Ela vai fazer um experimento em que vai provocar um ferimento em ratinhos que estão anestesiados, não vão sentir absolutamente nada.


Na verdade, o que ela vai fazer é comparar, ver se o local do ferimento em que colocou a pomada de graviola cicatriza mais depressa, mais lentamente, ou da mesma forma que o local onde está só o creme neutro, sem graviola.


A pomada de graviola não foi aprovada. Não houve diferença entre os ferimentos tratados com a pomada feita com a planta e naqueles tratados com um creme neutro. Ou seja, tanto faz uma pomada com ou sem graviola.


Gilberto Schwarrsmann, coordenador do Laboratório de Câncer do Hospital das Clínicas, critica a prescrição em um posto de saúde, pelo SUS, de uma pomada que não tem registro. “Eu acho que isso é uma irresponsabilidade, digamos assim, do ponto de vista de respeito ao próximo, ao ser humano”.


“Eu estou colocando todas as minhas esperanças, primeiramente em Deus, mas no extrato da graviola”, declara a química Maria Luiza Ribeiro Aires. Ela é química, casada e tem muita vontade de engravidar. Há cinco anos, ela descobriu que tinha um tumor na cabeça, perto da hipófise, e foi operada. “Em janeiro desse ano, eu fui fazer retorno, e ele me disse que esse restinho de tumor que tinha ficado voltou a crescer. Eu teria que fazer uma nova cirurgia”, revela.


O tumor pressiona o nervo óptico e Luiza já perdeu 90% da visão de um dos olhos. Mas esse não é seu maior medo. “Para a retirada do tumor, você perde muitas células da hipófise. Ali é onde estão nossos hormônios. E isso dificultaria mais ainda ser mãe”, confessa a química.


Se retirar o tumor, Luiza preserva o que resta da visão, mas a cirurgia pode estragar seu sonho.


O professor Frazão receitou extrato de graviola para sua ex-aluna: cinco gotinhas três vezes ao dia. “Eu fiquei muito feliz, muito mesmo, quando o professor chegou para mim e disse que eu iria tomar esse extrato e que eu iria ter uma possibilidade de regressão desse tumor. Foi uma esperança, uma luz no fim do túnel”, revela Luiza.
“Na oncologia, talvez metade das quimioterapias que nós usamos venham da natureza, mas isso é diferente de usar a natureza direto. Isso é o que a gente não gosta. É uma coisa irresponsável e ilegal”, critica Gilberto Schwarrsmann, coordenador do Laboratório de Câncer do Hospital das Clínicas.


Além da pomada, o extrato de graviola do professor Frazão também foi testado. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul pegaram várias culturas de células cancerígenas e dividiram em três partes. Na primeira, colocaram o extrato de graviola. Na segunda, apenas álcool, que é a base do extrato. E deixaram a última sem nada para servir de controle. Depois, compararam os resultados.


“Quando nós tratamos com o extrato de graviola, o que nós observamos é que houve um aumento de células em relação a sem nada de tratamento”, declara Caroline Bruneto de Farias, pesquisadora do Hospital das Clínicas de Porto Alegre.


Quer dizer, as células em vez de ter o crescimento inibido, em vez de parar de multiplicar, se multiplicaram mais ainda. Isso quer dizer que, se você tiver um tumor maligno e usar esta poção, ele pode crescer mais depressa. “Pode ser muito perigoso utilizar o extrato, porque o câncer pode aumentar”, diz a pesquisador.


Desde janeiro, Luiza toma o extrato de graviola que testamos em laboratório.


Em maio, ela descobriu que estava grávida. Mesmo que quisesse, agora não seria o momento mais adequado para retirar o tumor. “É um teste. Eu mesma quis me submeter a esse teste, foi minha escolha”, comenta a química.


O professor Frazão continua em seu centro de tratamento. Como ele, quantos não haverá no Brasil?






Nenhum comentário:

Postar um comentário